Duas fragrâncias mundialmente conhecidas tem histórias entrelaçadas, e amantes da perfumaria questionam qual fórmula serviu de base para uma e outra.
Jean Marie Farine - Roger Gallet e 4711 Original Eau de Cologne - Willhelm Müelhems.
Há praticamente 500 anos foi elaborada a primeira água de colônia do mundo. Por volta de 1600 várias fórmulas medicamentosas de águas aromáticas eram conhecidas, entretanto uma, fabricada por um italiano residente em Colônia na Alemanha, alcançou notoriedade e clientes famosos como Napoleão, Goethe, Voltaire, Rainha Vitória...
Jean Marie Farine de Roger Gallet
Começa quando Giovanni Paolo Feminis (Jean Paul Feminis), filho de farmacêutico italiano, criou em 1695 um destilado de plantas medicinais batizado de Aqua Mirabillis, ou Água Maravilhosa, também conhecido como Aqua Regina.
É dito que a famosa receita, datando do século XIV, veio de um monge oriental, e que foi recriada no Convento de Santa Maria Novella.
Era um medicamento muito aromático, de uso interno e externo.
Feminis mudou-se para a Alemanha em 1725 e dois anos depois o composto foi patenteado na Faculdade de Medicina de Cologne. Era conhecido como Aqua Coloniensis ou Eau de Cologne.
Ganhou a Europa e em 1760 foi apresentado a corte francesa, como perfume de banheiro, por Madame du Barry.
Alcançou sucesso nas formas de medicamento, produto de higiene e perfume.
Contam que Napoleão Bonaparte usava em média 60 frascos por mês e além de se perfumar bebia o elixir. Especialmente para ele foi desenvolvido um frasco longo e fino, chamado Roleaux D'Empereur, que acomodava dentro da bota.
Os irmãos Farina, sobrinhos de Giovanni, foram os sucessores e em 1806 outro descendente, Johann Farina (Jean-Marie Farina), herdeiro da fórmula, abriu uma perfumaria na rua Faubourg-Saint-Honoré de Paris .
O antigo elixir tornou-se perfume definitivamente sendo comercializado na Parfumerie Jean Marie Farina.
Em 1862 Armand Roger e Charles Gallet fundaram a Parfumerie Roger Gallet e compraram o catálogo de Jean-Marie Farina.
Uma linha de vários produtos recebeu em 1879 o famoso sabonete redondo embrulhado em papel de seda plissado como ainda vemos nas perfumarias e drogarias.
O perfume foi exportado para o mundo em 1900 e vendido até 1970 quando passou por uma reformulação surgindo o Jean Marie Farina Eau de Cologne Extra Viellei , oficialmente descontinuada, mas que ainda se encontra a venda em alguns sites e lojas.
* Consta em alguns relatos que no final do século XVIII um senhor Johan Maria Farina se estabeleceu em Köhl e passou a fabricar uma Eau de Cologne que ainda é vendida em frente a Praça Jülichs na cidade Colônia.
Ficha Técnica
Família Olfativa: Cítrico Aromático, 1806 (1695)
Gênero: Unissex
Perfumista: Jean Marie Farina (Giovanni Paolo Feminis)
Rastro: Intenso a moderado
Fixação: Boa
Pirâmide Olfativa:
- Topo - Bergamota, limão Amalfi, laranja e tangerina
- Coração - Petigrain, cravo (flor), neroli, rosa e alecrim
- Base - Cravo-da-índia, cedro, murta, sândalo, almíscar, âmbar branco, vetiver
4711 Original Eau de Cologne de Mülhens
O contemporâneo e muito parecido 4711 Original Eau de Cologne mostra trajetória semelhante.
Registros apontam que um monge cartusiano presenteou Wilhelm Mülhens com a receita de uma Aqua Mirabilis, em 8 de outubro de 1752. Após o casamento decidiu fabricá-la em Glockenglasse, Köhl (Colônia).
Era vendida na época como tônico medicinal que deveria ser consumido diluído em vinho.
Em 1754 os franceses que invadiram a cidade numeraram prédios e nomearam bairros para melhor se locomover. Daí veio o nome 4711 que foi o número atribuído ao prédio Mülhens.
Napoleão Bonaparte simultaneamente lançou um decreto determinando tornarem públicas todas as receitas medicinais de uso interno. Para não divulgar sua fórmula secreta Wilhelm transformou o elixir em perfume obtendo grande sucesso.
Em 200 anos a garrafa de 4711 permaneceu praticamente igual embora em 1820 o frasco original que era chamado garrafa Rosoli, , tenha sido substituído pela garrafa Molanus, concepção de Heinrich Molanus.
4711 Original Eau de Cologne ainda é vendida na Alemanha pela empresa Mäurer & Wirtz GmbH Co.KG no prédio original.
Ficha Técnica
Família Olfativa: Cítrico aromático, 1752
Gênero: Unissex
Perfumista: Willelm Mülhens
Rastro: Intenso a Moderado
Fixação: Boa
Pirâmide Olfativa:
- Topo - Laranja, Bergamota, limão, pêssego, manjericão
- Coração - Ciclame, lírio, jasmim, rosa búlgara,melão
- Base - Vetiver, patchuli, almíscar, sândalo, cedro e musgo de carvalho
Considerações Pessoais
Quanto a origem percebe-se um lugar comum: Monges que durante muitos séculos foram eruditos botânicos, alquimistas e farmacêuticos. Provavelmente usavam suas fórmulas como moeda de troca, conservando-as em conhecimento comum dentro das paredes dos monastérios.
É possível que a mesma fórmula, ou similares, tenha sido repassada para diferentes farmacêuticos e perfumistas; contudo o primeiro registro não foi nem alemão nem francês, mas italiano.
Além disto outro elo de ligação foi Napoleão Bonaparte que transitava pelos dois países e parece ter sido grande consumidor de produtos de higiene e medicamentos. Relatos apontam seu interesse pela perfumaria e muitas compras de perfumaria segundo os registros de Chardin.
Em relação as fragrâncias, é possível perceber grande semelhança evolutiva apesar de discretas diferenças.
Jean Marie Farina de Roger Galett em primeira impressão é picante, ardida e aromática. Lembra o agrume de zimbro ou alecrim entre a profusão de cítricos.
Limão verde, casca de limão, laranja e tangerina impressionam fortemente durante boa parte da evolução.
Sensação de frescor é reforçada pelo acorde de mato verde e madeira depois que cítricos suavizam, esmaecem e adquirem certa doçura floral.
Este doce de flores não é muito prolongado sobressaindo especiarias picantes e adstringentes sobre o bouquet frutado, em notas que se prolongam no drydown.
Algumas pessoas relatam maior riqueza evolutiva em Eau de Cologne Jean Farina, outras em 4711 Original.
Creio que são bem similares e ainda há relatos de outro desdobramento muito próximo em Eau de Cologne Imperiale Guerlain.